sexta-feira, 29 de junho de 2007

CAPÍTULO IV- COMO DAQUI FOMOS A MAÇUÁ, E DAÍ POR TERRA À MÃE DO PRESTE JOÃO, À FORTALEZA DE GIL EITOR





Daqui desta paragem nos partimos para Arquico, terra do Preste João, a levar uma carta que António da Silveira mandava a um Henrique Barbosa, feitor seu, que lá andava havia três anos por mandado do governador Nuno da Cunha, o qual, com quarenta homens que trazia consigo ,escapara ao levantamento de Xael, onde ficaram cativos D.Manuel de Meneses com mais cento e sessenta portugueses, e tomaram quatrocentos mil cruzados e seis naus portuguesas, que foram as que Soleimão Baxá, vice-rei do Cairo, levou com os mantimentos e munições da sua armada, quando no ano de mil quinhentos e trinta e oito veio pôr cerco á fortaleza de Diu, por lhas ter mandado ao Cairo o Rei de Xael com sessenta portugueses de presente, e dos mais fez esmola ao seu Mafamede, como cuido que as histórias que tratam do governo de Nuno da Cunha dirão largamente..
Chegando nós a GOTOR, UMA LÉGUA ABAIXO DO PORTO DE Maçuá, fomos todos bem recebidos pela gente da terra e por um português que achámos, de nome Vasco Martins de Seixas, natural da vila de Óbidos, que por mandado de Henrique Barbosa há um mês que ali estava, esperando por algum navio de portugueses, com uma carta do mesmo Henrique Barbosa, que deu aos capitães, em que lhe dava as novas que tinha sabido acerca dos turcos e que lhe pedia que em todo o caso se fossem encontrar alguns portugueses com ele, porque importava muito ao serviço de Deus e de El-Rei, e que ele os não podia ir buscar porque estava naquela fortaleza de Gil Eitor de guarda á princesa de Tigremahom, mãe do Preste, com quarenta portugueses que aí tinha consigo .
Os capitães, puseram em discussão esta ida, num conselho para que convocaram os demais, e se assentou por parecer de todos que quatro soldados o fossem ver em companhia do Vasco Martins, e lhe levassem a carta que António Silveira lhe mandava, o que assim se fez.
Partidos os quatro, dos quais eu fui um, logo ao dia seguinte caminhámos por terra em boas cavalgaduras de mulas que o Tiquaxy, capitão da terra, nos mandou dar por providência da princesa mãe do Preste, que o Vasco Martins trouxera para isso, com mais sete abexins que nos acompanharam, e naquele mesmo dia fomos dormir a um mosteiro de instalações nobre se ricas que se dizia Satilgão. Quando ao outro dia foi manhã, caminhámos ao longo de um rio mais cinco léguas até um lugar que se chamava Bitonto, no qual nos agasalhámos naquela noite num bom mosteiro de religiosos que se chamava São Miguel, com muita festa e acolhimento do prior e sacerdotes que nele estavam, Onde nos veio ver um filho de Banargais, governador deste império da Etiópia, moço de dezassete anos de idade e muito bem disposto, acompanhado de trinta mulas, e só ele vinha num cavalo ajaezado á portuguesa, com um arreio de veludo roxo franjado de ouro, que da Índia lhe mandara o governador Nuno da Cunha havia dois anos, por um Lopo Chanoca, que depois foi cativo no Cairo, o qual este príncipe mandou resgatar por um mercador judeu natural de Azebibe, porém quando este lá chegou o achou já morto, o que, dizem, mostrou sentir muito. E nos afirmou o Vasco Martins que ali naquele mosteiro de São Miguel lhe mandara fazer o mais honrado saimento que ele jamais vira em sua vida, no qual se juntaram quatro mil sacerdotes, fora outro grande número de noviços a que eles chamam santileus. E sabendo que fora casado em Goa, e que tinha três filhas moças e pequenas e muito pobres, lhe mandara de esmola trezentas oqueás de ouro, que na nossa moeda vale cada oqueá doze cruzados. Ao outro dia nos partimos deste mosteiro em boas cavalgaduras que este príncipe nos mandou dar, com quatro homens seus que nos acompanhassem, os quias nos foram protegendo por todo o caminho esplendidamente, e fomos dormir a umas casas grandes que se chamavam betenigus, que quer dizer casas de rei, cercadas á distancia de mais de três léguas por arvoredo muito alto de aciprestes e cedros e palmeiras de tâmaras e cocos como na Índia. E continuando daqui as nossas jornadas de cinco léguas por dia, por capinas de trigo muito grandes e muito formosas, chegámos a uma serra que se dizia Vangaleu, povoada de judeus, gente branca e bem proporcionada, mas muito pobre, segundo o que nos pareceu dela. Daí a dois dias e meio chegámos a uma boa povoação que se chamava Fumbau, a duas léguas da fortaleza de Gil Eitor, onde achámos Henrique Barbosa com os quarenta portugueses , os quias nos receberam com muita alegria, acompanhada de copiosas lágrimas, porque ainda que (como eles nos diziam) ali estivessem muito á sua vontade, sendo em tudo senhores absolutos de toda a terra, contudo não se sentiam satisfeitos nela, por ser aquilo desterro e não pátria sua. E porque quando aqui chegámos era muito noite, não entendeu Henrique Barbosa dar à princesa conhecimento da nossa chegada.
Ao outro dia pela manhã, que era um Domingo, quatro de Outubro, nos fomos com ele e com os quarenta portugueses ao aposento onde a princesa vivia. A qual, logo que soube que éramos chegados, nos mandou entrar na capela onde já então estava para ouvir missa, e pondo-nos de joelhos diante dela, lhe beijámos o abano que tinha na mão, com mais outras cerimónias de cortesia ao seu uso, que os portugeses nos tinham ensinado. Ela nos recebeu com muita alegria e nos disse:
_A vinda de vós outros, verdadeiros cristãos, é para mim agora tão agradável, e foi sempre tão desejada, e o é todas as horas por estes meus olhos que tenho no rosto, como o fresco jardim deseja o borrifo da noite! Venhais embora! Venhais embora! E seja em tão boa hora a vossa armada nesta minha casa como a da Rainha Helena na terra santa de Jerusalém.
E mandando-nos sentar em umas esteiras, quatro ou cinco passos afastados de si, nos esteve perguntando, com a boca cheia de riso, por algumas novas e curiosas a que diziam que sempre fora muito inclinada: pelo Papa, como se chamava; quantos reis havia na Cristandade; se fora já algum de nós á casa Santa e por que se descuidavam tanto os príncipes cristãos na destruição do Turco; e se era grande o poder que El –Rei de Portugal tinha na Índia e quantas fortalezas havia nela e em que terra estavam, e outras muitas coisas desta maneira. E das respostas que os nossos lhe davam mostrava ficar satisfeita. Com isto nos despedimos dela e nos recolhemos ao nosso aposento.
Depois de haver já nove dias que aqui estávamos, nos fomos despedir dela, e beijando-lhe a mãos nos disse:
_Certo que me pesa de vos irdes tão cedo, mas já que é forçado ser assim, ide-vos muito embora, e seja em tão boa hora o vosso regresso à Índia que quando lá chegardes vos recebam os vossos como a antigo Salomão recebeu a nossa Rainha de Sabá na casa admirável de sua grandeza.
A todos quatro nos mandou dar vinte oqueás de ouro, que são duzentos e quarenta cruzados, e mandou também um naique com vinte abexins, que nos veio guardando dos ladrões e provendo-nos de mantimento e cavalgaduras até ao porto de Arquico onde as nossas fustas estavam. E o Vasco Martins de Seixas trouxe um presente rico de muitas peças de ouro para o governador da Índia. o qual se perdeu no caminho, como logo se dirá.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito demoravam aquelas cartas... dava tempo para o inimigo mudar de estratégia. :)))

Next, pq tou a gostar!!

bj

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