sexta-feira, 22 de junho de 2007

CAPITULO II-COMO DESTE REINO ME PARTI PARA A ÍNDIA E DO QUE ACONTECEU Á ARMADA EM QUE FUI




Aos onze dias do mês de Março do ano de mil e quinhentos e trinta e sete parti deste reino numa armada de cinco naus, em que não foi capitão-mor, somente os capitães particulares das naus, os quais eram: na nau "Rainhas", D.Pedro da Silva, que de alcunha se chamava o Galo, filho do conde almirante D. Vasco da Gama, na qual trouxe a ossada de seu pai, que El Rei D.João, que então estava em Lisboa, mandou receber como maior aparato e pompa fúnebre com que até hoje nunca se recebera outra, a não ser que fosse de rei; na nau "S. Roque", D. Fernando de Lima, filho de Diogo Lopes de Lima, alcaide-mor de Guimarães, que logo no ano seguinte de 15838 faleceu em Ormuz sendo capitão da fortaleza; na nau "Santa Bárbara", seu primo Jorge de Lima, que ia destinado a capitão de Chaul; na nau "Flor de La Mar", Lopo Vaz Vogado, capitão ordinário de viagem; na nau "Galega", que foi aquela em que se perdeu depois Pero Lopes de Sousa, um Martim de Freitas, natural da ilha da Madeira, que naquele ano mataram em Damão com mais trinta e cinco homens que levava consigo.
E velejando todas estas naus cumprindo sua rota, prove o Nosso Senhor que chegaram a salvamento a Moçambique, onde achámos de invernada a nau "São Miguel", de que era capitão e senhorio um armador que se chamava Duarte Tristão, a qual partindo depois para o reino muito rica, desapareceu sem até hoje se saberem novas dela, como por nossos pecados a outras algumas tem acontecido nesta carreira da Índia.
Depois de as cinco naus serem todas reabastecidas e estarem prontas para partir de Moçambique, o capitão da fortaleza, que era Vicente Pegado, apresentou ao capitão delas uma provisão do governador Nuno da Cunha, em que mandava que todas as naus do reino que naquele ano ali fossem ter acudissem a Diu e deixassem a gente na fortaleza, pela suspeita que se tinha da armada do turco, por quem então se esperava na India, por causa da morte do sultão Bandur, Rei de Cambaia, que o governador tinha morto o verão anterior. Este assunto foi logo posto em conselho, e se determinou por todos que as três naus que eram de El –Rei fossem a Diu como provisão mandava, e as duas de mercadores fossem a Goa, por causa de alguns requerimentos e protestos de restituição que seus procuradores sobre este caso já tinham feito.
Partidas as três naus de El –Rei para Diu e as duas de mercadores para Goa, prouve a Nosso Senhor levá-las todas a salvamento. E surgindo as três na barra de Diu a cinco de Setembro do mesmo ano de 1538, António da Silveira, irmão do conde de Sortelha, Luís da Silveira, que então aí estava como capitão, as festejou e recebeu com assaz alegria, gastando largamente com todas de sua fazenda, assim como em dar de comer a mais de setecentos homens, como em outras mercês de dinheiro e esmolas que fazia continuamente. E vendo a gente desta armada tanta largueza e abastança, e que fora isto lhe pagavam soldos e mantimento, se deixou ali ficar quase toda por sua própria vontade, sem ser necessário para isso nenhum rigor nem pena de justiça, como sempre era costume nas fortalezas em que havia suspeita de cerco.
As três naus, depois de venderem ali bem suas fazendas, se foram para Goa apenas com os oficiais delas e a gente do mar, onde estiveram mais alguns dias, até que o governador acabou de as depachar para Cochim. Daí, tomada a carga, tornaram todas cinco para o reino, onde chegaram a salvamento, levando também consigo em companhia outra nau nova que se fizera na Índia, de nome "São Pedro", tendo como capitão Manuel de Macedo, que trouxe o basilisco a que cá chamaram o tiro de Diu, por ter sido tomado aí, na morte do sultão Bandur, Rei de Cambaia, com mais outros dois do mesmo teor, que integravam os quinze que o Rumecão, capitão mor da armada do Turco, trouxe de Suez no ano de 1534, quando o reino partiu D. Pedro de Castelbranco nas doze caravelas do socorro que partiram em Novembro.
(Peregrinação de Fernão Mendes Pinto)

3 comentários:

sem-se-ver disse...

:)

'tou gostando!

Anónimo disse...

Que vida cheia este homem teve!

A gravura é a tal da edição do Expresso? É linda!

beijo

cs disse...

elle

não é a foto da tal edição. lá mais para a frente avisarei quando a digitalizar..ok?

é optimo ler devagarinho e apreciar a escrita dele e entrar naquele ambiente né?


bjos para as meninas comentadoras residentes:))

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